Religião
Sobre tolerância e verdade – Por Daniel Lima
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O que esperar de uma mídia comprometida mais com versões do que com fatos? Mais com popularidade do que com a verdade? Seja em entrevistas que assumem ares persecutórios (tanto para candidatos de esquerda, como de direita), seja na escolha de quais fatos destacar e quais ignorar, a mídia serve de agente de suas ideologias, de seus patrocinadores. É inegável que isso é natural, o que destaca mais uma vez nossa necessidade de discernimento, de avaliar posições e pronunciamentos a partir de critérios sólidos.
Na semana passada, nas páginas amarelas da revista VEJA, foi publicada uma entrevista com o pastor Kleber Lucas. Ele é um cantor, pastor e líder evangélico da Igreja Batista Soul, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. É compreensivo que esta seção da revista procure entrevistar personagens polêmicos, que tragam algo de diferente para contribuir. No entanto, percebe-se uma contínua escolha de personalidades que promovem a perspectiva editorial da revista. É importante analisar quais os pontos principais levantados na entrevista, qual direção esta reportagem indica e, ainda mais, como entender as declarações deste líder evangélico.
Especialmente nas gerações nascidas pós-1964, o tema de tolerância é como um “santo graal”, o elemento sagrado indiscutível.
A entrevista faz menção de acusações de que a igreja evangélica é racista e de que há um discurso de ódio. Estas acusações são tristemente verdadeiras. Somos humanos e trazemos conosco ainda os efeitos do pecado e de preconceitos herdados da cultura em que crescemos. Muito embora as duas posições sejam promovidas apenas por uma minoria, e a própria mídia secular procure sempre colocar uma lente de aumento sobre estas posições mais radicais; o fato é que esta é uma crítica verdadeira, à qual temos de acatar e buscar tratar.
O tema central apresentado na reportagem é o da tolerância. Este me parece o elemento que tem unido o discurso do mundo secular em nossos dias. Especialmente nas gerações nascidas pós-1964, o tema de tolerância é como um “santo graal”, o elemento sagrado indiscutível. Na verdade, se alguém apresenta uma posição que se choca ou contradiz posições que estão sendo promovidas, com frequência esta pessoa é imediatamente tida como intolerante e equiparada aos piores momentos da Inquisição. É curioso que uma postura hostil ao cristianismo não seja jamais interpretada como intolerante. É igualmente curioso observar grupos que, quando são minoria, pedem tolerância, mas assim que assumem o controle se revelam exatamente o contrário. No entanto, o que também é inegável é que tolerância é um princípio cristão. Jesus mesmo tratava pessoas com as mais diferentes opiniões com respeito e amor. Aqueles que mais o confrontaram foram justamente os mais intolerantes. No caso, tanto os fariseus, que eram intolerantes religiosos, quanto os saduceus, que eram intolerantes políticos, como os herodianos, que eram intolerantes com quem ameaçasse seu bem implantado sistema de corrupção.
A carta de Tiago também se posiciona claramente contra a acepção de pessoas: “Se vocês de fato obedecerem à lei do Reino encontrada na Escritura que diz: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’, estarão agindo corretamente. Mas, se tratarem os outros com parcialidade, estarão cometendo pecado e serão condenados pela Lei como transgressores” (Tiago 2.8-9). O próprio apóstolo Paulo afirma em Colossenses 3.11: “Nessa nova vida já não há diferença entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo e livre, mas Cristo é tudo e está em todos”. Somos chamados a amar indistintamente, pois se o próprio Cristo morreu por nós quando ainda éramos seus inimigos, como podemos agir diferente?
Tendo dito isso, não apenas como contraponto, mas como princípio, precisamos explorar um outro aspecto para que possamos dar a devida profundidade a este difícil assunto de tolerância. Tolerância não significa abandonar nosso compromisso com a verdade. Significa reconhecer que o outro tem o direito de decidir o rumo de sua vida, mesmo que seja, após alertado, seguir em uma direção que não corresponda à verdade. No entanto, é importante lembrar que Jesus deixa claro que somos libertos pela verdade e não pela tolerância (João 8.32). Ele afirma ainda com clareza que toda mentira vem do Diabo (João 8.44), inclusive se, ao sermos tolerantes, omitirmos a verdade. Nosso Deus age assim: tolerando nossas opções mas permitindo que soframos as consequências de nossas escolhas. Paulo afirma em sua carta aos gálatas: “Não se deixem enganar: de Deus não se zomba. Pois o que o homem semear isso também colherá. Quem semeia para a sua carne da carne colherá destruição; mas quem semeia para o Espírito do Espírito colherá a vida eterna” (Gálatas 6.7-8).
Tolerância não significa abandonar nosso compromisso com a verdade. Significa reconhecer que o outro tem o direito de decidir o rumo de sua vida.
Neste sentido, a entrevista do pastor Kleber Lucas preferiu promover apenas o lado aceitação da tolerância e não o lado consequências. E, como toda meia verdade infelizmente é uma mentira completa, tornou-se mais uma distorção do que uma contribuição ao evangelho. O pastor Kleber diz que aprendeu tolerância na favela. Caso ele tivesse passado esta experiência pelo crivo da Palavra, ele poderia ter se tornado um exemplo para tantos de nós que, por várias razões, lutamos com a intolerância. No entanto, ao apoiar e promover expressões religiosas e de fé que confrontam diretamente o evangelho de Cristo, ele deixa o espaço da tolerância e adentra o campo do relativismo teológico. Religiões de matriz africana declaradamente promovem a adoração de entidades espirituais, o que a Bíblia chama de demônios. Paulo nos alerta: “O Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns abandonarão a fé e seguirão espíritos enganadores e doutrinas de demônios” (1Timóteo 4.1). Isso não nos dá liberdade de odiar aqueles que seguem estas religiões, nem de ofendê-los ou muito menos depredar seus lugares de culto, mas tampouco nos autoriza a participarmos de cultos de adoração com eles.
Na passagem muito conhecida da segunda carta de Paulo aos coríntios lemos: “Não se ponham em jugo desigual com descrentes. Pois o que têm em comum a justiça e a maldade? Ou que comunhão pode ter a luz com as trevas? Que harmonia entre Cristo e Belial? Que há de comum entre o crente e o descrente?” (2Coríntios 6.14-15). Tolerância deve nos levar a ter comunhão com irmãos em Cristo que têm diferenças de opinião em aspectos não essenciais da fé (Romanos 14). Tolerância nos leva mesmo a tratar com respeito e amor aqueles que não são irmãos em Cristo por não aceitarem a verdade central do evangelho, mas com estes não temos comunhão espiritual e nem nos é permitido afirmar, como relatado na entrevista, que “Todos os seres humanos são [filhos de Deus]”. Qual estudioso sério da Palavra conceberia como coerente, por exemplo, uma narrativa de Jesus cultuando no templo de Diana em Éfeso? Ou contribuindo para a reconstrução do templo de Baal? Tolerância não pode nos afastar da verdade ou nos deixar reféns de posições anticristãs, ignorando aquilo a que fomos chamados: “… anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pedro 2.9).
Qual estudioso sério da Palavra conceberia como coerente, por exemplo, uma narrativa de Jesus cultuando no templo de Diana em Éfeso?
Há outro exemplo na entrevista que mostra o quanto a tolerância sem o devido respeito pela verdade pode nos levar a aceitar um desvio. Em certo momento, o pastor Kleber Lucas relata que está em seu terceiro casamento. Ele afirma “Esse é o meu pecado, talvez. Mas é a minha história, e não posso ser visto como um pária por isso”. Em um primeiro momento ele parece afirmar que um terceiro casamento é um sinal de que houve algo errado, mas rapidamente ele inclui um “talvez” para, logo a seguir, assumir como sua história e se defender de qualquer tratamento diferente devido a ela. Como vimos acima, não temos o direito de tratar alguém como pária por este ou qualquer outro motivo, ao mesmo tempo, porém, não podemos ignorar que há ações e consequências. A misericórdia de Deus reconhecidamente nos livra de muitas consequências que mereceríamos, especialmente a condenação eterna, mas certamente não nos livra de todas; pelo contrário, nosso Deus disciplina a quem ama (Hebreus 12.5-11).